Hoje a pecuária extensiva é incapaz de promover a geração de renda e trabalho em comparação com outros usos do solo, e em função da grande demanda por madeira e sua grande rentabilidade, o (re)florestamento apresenta-se atualmente como a mola propulsora do desenvolvimento agrário e industrial local. Desta forma cresce o plantio de pinus, o preço da madeira é bom e assim aumenta também sua vantagem comparativa a outras fontes tradicionais de renda.
Mas como tem intensificado o entendimento de que o pinus é um problema, isto sim é novidade. Não havia ainda na região tamanha revolução de idéias e percepções tão distintas. São várias reportagens, estudos acadêmicos que iniciam, articulações de ONG’s e, até intervenção governamental. Um movimento que se expande no Brasil nos últimos dois anos não por acaso. A menos de cinco anos as empresas florestais ilustravam em seus meios de propaganda fotos dos reflorestamentos enaltecendo as vantagens do reflorestamento para o ambiente, para a sociedade. Entretanto tem se generalizado um sentimento de que a expansão do pinus em áreas de campo nativo tem gerado uma modificação da paisagem rural, posto em risco a sobrevivência de habitats específicos da região (endêmicos), causando inclusive uma reestruturação social do meio rural. Desta forma é oportuno debatermos alguns pontos e assim revermos a origem deste problema.
Atualmente assistimos em Lages a manifestações contrárias ao pinus mais sérias que todas as atividades contrárias ao plantio e consumo de transgênicos somadas. Em momento crítico de aprovação dos trangênicos no país e, o total desconhecimento de que em nossa mesa reinam obscuros seus sub-produtos, o debate sobre o pinus surge em plena falta informação e no seio magro do movimento ambientalista serrano ou quisá simples picuinha de quem não tem laços com o setor florestal na região. Certamente que não é briga de amantes do churrasco, até porque os sistemas que combinam o reflorestamento e a pecuária tem ótimos resultados. A combinação de espécies florestais tem vantagens ainda maiores.
Então de onde vem o temor? Primeiro porque a região apresenta campos de grande importância biológica devido seu grande endemismo, além de caracterizar a paisagem serrana e correrem acentuado risco de extinção, tanto pela substituição do uso do solo, e por serem fruto da contínua atividade humana na região. Somente a manutenção da cultura tradicional que envolve a pecuária e sistemas de produção associados manteriam o status da paisagem atual. Isto se dá na maior parte das áreas de campo, com pequenas exceções em campos de altitude. Por que ao se proteger uma área de campo da intervenção humana, seja a queima, a roçagem, ou o pastoreio, fariam com que a florestal tivesse enfim a oportunidade de ocupar o espaço com a dinâmica sucessional de espécies perfeitamente desenvolvidas nos últimos 10 mil anos. Desta forma, a conservação do campo nativo, a biologia, história e paisagem, passa necessariamente pela manutenção das populações tradicionais e suas atividades, no entanto, visto a ineficácia econômica e ecológica da pecuária e do reflorestamento, e por isto, outras alternativas devem ser desenvolvidas.
Há milhares de anos os campos dominavam as coxilhas e serros mas a passos largos a vegetação foi enriquecida, onde foi possível as árvores ocuparam seu espaço. As plantas ocupam os locais possíveis, mas também criam condições para que espécies mais exigentes passem também a ocupá-lo, esta é a incrível dinâmica da sucessão natural, tão bem desenvolvida e continuamente atualizada pela mãe natureza a mais de 3,5 milhões de anos. A criação de campo é bastante antiga. Segundo relato da epopéia de homens como Cabeça de Vaca, quem em 1535 foi a pé do litoral catarinense ao Paraguai, não foi preciso roçar o caminho, e algum campo já existia, há 150 anos naturalistas europeus ficaram admirados com a existência de capões de mato em meio ao campo. O certo é que o índio usava o fogo, mas depois de cem anos de queima intensa qual é o campo que manteve a produtividade original?
Sabiamente a natureza nos convida a voltar a floresta a cada ano que não se queima, não se roça ou a gadaria não avança na macega, pois sem nossa intervenção bem logo se vai o pasto e reina a floresta. Em vastas regiões alias, o gado bovino há pouco chegou. Em 100 anos porcos criados soltos sob os pinheirais, espraiavam-se e aproveitavam a relva e os frutos, como o pinhão, depois vieram animais de transporte, como as mulas, e somente nos anos 50 o boi encontrou abertura suficiente com a retirada maciça do pinheiro, do xaxim, da erva-mate e restante da madeira. O campo há milhões de anos dominava a paisagem e foi superado pela floresta. Da floresta fomos ao campo através de amplo desmatamento alçado pelo ciclo de exploração da araucária. Pois bem, qual o futuro que projetamos? Voltar ao campo é voltar ao passado que a natureza deixou para traz.
Será agora o pinus o guardião da floresta? Certamente que não, pois as monoculturas nunca guarneceram nenhuma população e a insustentabilidade sócio-ambiental dos monocultivos agrícolas e florestais só aumentam. Que se pese o zoneamento da região, que diria onde podemos continuar errando com monocultivos, agrotóxicos e transgênicos, desmatamentos, alagamentos, escavações, que pese os parques que impedem nosso convívio com a natureza. Porque não aceitar o convite reiterado da natureza, da derradeira agroecologia, socializando as informações e os saberes já acumulados e fortalecer os processos participativos de empoderamento social para as tomadas de decisão?
Em todo o tempo, a floresta foi sinônimo de proteção de água, do ar, da terra. Ícone do cuidado com a vida. Estuda-se hoje a liberação de resinas tóxicas pelo pinus, como muitos pinheiros, porém tem incrível capacidade de renovar os solos com a liberação de nutrientes como o fósforo. Com um fungo companheiro (para muitos um comparsa) e raízes mais profundas consegue liberar nutrientes da rocha e bombear à superfície dos nossos solos o inacessível estoque de fósforo existente para outras plantas. Espécies de rápido crescimento consome muita água, tal como faz a bracatinga, mas florestas adultas normalmente consomem o mesmo tanto indiferentemente das espécies utilizadas. Água é consumida pela planta em seu metabolismo, mas muitas vezes nem chega ao solo, é freqüente que 30% da chuva fique retida na copa e muitas vezes o líquido precioso evapora contribuindo para a harmonização do clima atmosférico ao controlar a umidade atmosférica. Diferente do campo, com profundas raízes o solo fica bastante solto e a água que antes escorreria suja pela superfície infiltra-se e é armazenada no solo e aos poucos ser fornecida. O fenômeno da “esponja” que os educadores sacramentaram. Onde tem floresta sempre tem menos água, mas esta sempre terá qualidades muito superiores a qualquer outro lugar.
Mas a sombra da monocultura implantada em campo, onde não mais residiam espécies adaptadas a nova situação mantém o sub-bosque limpo, das espécies de sombra nem sequer sementes haviam no solo para germinar. Mas isto há de mudar. Entretanto é impossível cabrestear a vida, plantas exóticas e transgênicos ultrapassam qualquer barreira, chegam de surpresa e não por acaso encontram um ambiente propício para seu estabelecimento. Em áreas degradadas tem-se a fragilidade e realmente não há como evitar. A toda parte as beiras de estradas onde o pinus cresce sobre a rocha exposta contrasta com a capoeira nativa onde não tem intróito.
O reflorestamento homogêneo só subsiste sendo feito com espécies exóticas, que deixaram em seus locais de origem as pragas e doenças co-evoluídas. Os efeitos da monocultura se fazem sentir também em qualquer cultura agrícola ou criação animal. Os reflorestamentos naturais são feitos a partir de muitas espécies, cada qual em seu lugar e função. Ao invés de 2000 plantas por há planta-se 60 mil, para que cada gota de água seja utilizada, cada grama de nutrientes voláteis ou solúveis não saia do sistema, para que cada réstia de luz seja aproveitada antes que chegue ao chão. Bilhões de seres vivos coexiste e desta forma o sistema fica equilibrado. Mesmo os reflorestamentos homogêneos de nativas - feitos com apenas araucária, bracatinga ou erva-mate - sofrerá danos em algum tempo. Por outro lado, a agrofloresta pode ser feita imitando a dinâmica do ecossistema local que tanto perturba o pecuarista, a sucessão ecológica, tecnologia de última geração testada pela natureza, distribuída de graça e apropriada para qualquer lugar do planeta!
Por isso podemos afirmar que a culpa do pinus a monocultura maligna, nem da macieira os agrotóxicos aplicados irresponsavelmente nos pomares. Inúmeras experiências mostram que é plenamente possível trilhar uma rota alternativa. Falta somente aprendermos a lição da união, tão comum entre o fungo e o pinus, servirá ainda de exemplo para a sociedade serrana construir alternativas técnicas de produção que propiciem o óbvio do aumento da harmonia do homem com a natureza. Enfim, estamos maduros para desenvolver e adotar a óbvia alternativa para buscar a sustentabilidade no setor florestal, os sistemas agroflorestais? Aprender com as populações tradicionais e imitar a natureza que a tanto tempo realizam experimentos é, certamente, mais fácil que continuar cortando pinheirinhos ou fazendo acusações exóticas.
Obs.: Como provou inconteste Lynn Margulis, não é a competição ou a predação que predomina na natureza, a regra básica do sucesso biológico é a ajuda mútua e a colaboração. O sucesso premia a comunidade mais forte, não daquele que tenta aniquilar os demais.
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